Lost Soul Aside é a sombra do que poderia ter sido - Review
Iniciado por apenas uma pessoa lá em 2016, jogo foi lançado em parceria com a PlayStation no PS5 e PC. Confira a análise do game!
Para muitos gamers atuais, o jogo Lost Soul Aside pode parecer apenas mais um lançamento do porfólio de “semiexclusivos” da Sony, caindo no mesmo balaio que títulos como Stellar Blade e Rise of the Ronin. No entanto, quem acompanhava jogos lá por 2016, quase 10 anos atrás, sabe que o título é lendário.
Apresentado com um trailer que ganhou corações, o jogo chamou a atenção pela sua beleza para a época, gameplay fluido e um detalhe: apenas um nome aparecia nos créditos, Yang Bing.
O projeto repercutiu tanto que eventualmente se tornou o jogo de estreia do China Hero Project, um programa de apoio da Sony para lançar games asiáticos globalmente. Com isso, Bing conseguiu mais grana e uma equipe para dar vida ao seu game dos sonhos, mas isso talvez também tenha sido o que levou o título a receber reviews tão mistas, com média na casa dos 60 no Metacritic.
Ficha Técnica
Jogo: Lost Soul Aside
Lançamento: 29/08/2025
Onde jogar: PS5 e PC
Plataforma de teste: PS5
Preço: A partir de R$ 300.
Uma cópia do game foi cedida pela PlayStation Brasil para a realização deste texto.
O indie que mudou tudo?
A indústria de jogos independentes já passou por várias revoluções durante os anos, e Lost Soul Aside pode ser considerado um dente nesse facão da indústria. Quando Yang Bing lançou o trailer inicial do game, talvez ele não soubesse o quão preciso estava sendo em seu timing.
A Unreal Engine, motor gráfico do jogo, estava ganhando cada vez mais tração no mercado, que já começava a mostrar sinais da crise dos jogos AAA que vemos bem estabelecida hoje. Enquanto os fãs de RPGs esperavam por décadas pelo aguardado Final Fantasy XV (muitos com um gosto amargo pelo cancelamento de Versus XIII), um cara sozinho na China fez um jogo misturando a vibe do RPG com o combate de Devil May Cry, tudo com gráficos realistas para a época.
O resultado? O trailer de Lost Soul Aside virou uma sensação global no mundo dos games e puxou um movimento contra grandes empresas e enaltecendo devs solos. Os rastros disso podem ser vistos até hoje nos comentários do vídeo original.
“Esse homem envergonha corporações multibilionárias”, cravou “martianmanhunter821”, um transeunte da internet, há oito anos, em uma das frases com mais likes na prévia de cinco minutos. “200 a 300 pessoas trabalharam em Final Fantasy XV por cerca de 10 anos. Enquanto isso, esse cara está fazendo isso sozinho. Imagine o que 300 desses caras conseguiriam fazer em 10 anos”, teorizou “JOhnDoe-nl4wj”, há 7 anos, em um comentário que, hoje, pode ser considerado profético.
Enquanto a repercussão do projeto fez muita gente pensa que Yang Bing seria contratado por alguma grande empresa do mundo dos games, o caminho foi diferente. Alguém da Sony deve ter lido o comentário de “JOhnDoe-nl4wj” e pensou: e se?
Com grandes poderes…
Em entrevista à IGN, Yang Bing revelou que, nos estágios iniciais de seu projeto, o objetivo era simples e claro. “Eu queria desenvolver algo que eu realmente gostasse. E as ferramentas e engines de jogos estavam relativamente maduras. Esse foi o começo [de Lost Soul Aside].
“Eu queria desenvolver algo que eu realmente gostasse”, disse o criador do game.
Esse simples sonho, no entanto, evoluiu quando a Sony abraçou o projeto, aos poucos. Enquanto inicialmente o jogo era a vitrine do China Hero Project, eventualmente a PlayStation se envolveu tanto no projeto que a marca virou publisher e o game recebeu muitos recursos.
Com o tempo, Lost Soul Aside deixou de ser um simples projeto de Bing para se tornar um game de grande escopo, com um time dedicado e mais orçamento. E essa mudança claramente surtiu um efeito inesperado. Afinal, estamos falando de uma pessoa que não tinha muita experiência com desenvolvimento e, mais do que isso, gerenciamento e liderança.
“No início, éramos inexperientes e ansiosos para tentar de tudo, o que levou a muitos erros e desafios. Houve até um período em que todo o projeto e eu, pessoalmente, chegamos a um ponto baixo. Gradualmente, com mais apoio e a crescente expertise da equipe, recuperei meu ritmo”, revelou o diretor do jogo, em janeiro de 2025.
E esses altos e baixos ficaram claros na própria divulgação de informações do game. Após o estrelado em 2016 com o trailer inicial, foram muitos períodos de silêncio sobre o game, incluindo também uma reapresentação em 2022, mostrando que o projeto estava vivo.
O trailer de 2022, no entanto, já mostrava que o projeto não era mais indie. Com visual refinado, o jogo se tornou parte do portfólio oficial de divulgação da Sony para o PS5. Ou seja, estava chegando a hora de pagar por todo o apoio que foi dado até agora.
E quem manja da indústria de games já sabe: uma empresa de grande porte, com acionistas e relatórios fiscais, costuma ter grandes ambições. Se antes Lost Soul Aside era um projeto que desafiava grandes estúdios com seu desenvolvedor solo, hoje o jogo é mais um “AAA” de R$ 300 que sucumbiu às expectativas criadas durante os anos.
O resultado final
Lost Soul Aside foi lançado em 29 de agosto sem análises prévias ou qualquer tipo de acesso antecipado, o que já acendeu sinais de alerta sobre possíveis problemas com o game. Para remediar a situação, o estúdio lançou uma demo grátis logo no dia um, tanto no PC e PS5.
A prévia gratuita serviu para ajudar na decisão de compra de quem não conhecia o projeto e não estava disposto a apostar R$ 299 no título. O resultado, no entanto, foi misto. Agora, quase uma semana depois do lançamento, o game apresenta recepções mornas da crítica e do público, principalmente no PC, onde o projeto conta com problemas sérios de desempenho.
Por aqui, nossos testes com Lost Soul Aside estão rolando no PS5, onde não existem problemas tão grandes de performance. No console, o que fica evidente é algo pior: a estrutura.
Como o próprio Yang Bing disse em entrevista, Lost Soul Aside começou a viralizar quando ainda era apenas uma “ideia” de sua cabeça. Com as expectativas e investimentos, esse conceito precisou ser transformado em um projeto capaz de ser vendido por R$ 300 em um console premium.
E o resultado final que temos é um reflexo dessa prática da indústria: pegar ideias e remendá-las para que se tornem grandes blockbusters, visando lucros infinitos ou preços exorbitantes. É a mesma premissa que fez títulos similares irem por água abaixo, como o falecido Concord, ou garantiu que muitos jogos recebessem battle royale durante o ápice desse modo.
História dispensável, combate divertido e momentos chatos
Assim como o trailer original, a história acompanha Kaser, um protagonista durão que luta ao lado de um dragão voador, a entidade conhecida como Arena. Na versão final, o objetivo é salvar a irmã que teve sua alma roubada por criaturas malignas, em um enredo repleto de bosses, monstros mágicos e energias interdimensionais.
No fim das contas, tudo parece meio confuso e sem sentido, tendo como único objetivo ressaltar a grande qualidade do jogo: o combate. Na hora do “vamos ver”, Lost Soul Aside entrega uma jogabilidade Hack and Slash divertida para quem curte títulos como Devil May Cry 5.
Lost Soul Aside entrega uma jogabilidade Hack and Slash divertida para quem curte títulos como Devil May Cry 5.
Além do gameplay de apertar dois botões pra fazer ataques legais, o jogo também possui um sistema de upgrade e customização de armas bem maneiro. Com bastante liberdade, o sistema traz uma boa evolução, que também acontece por meio de uma árvore de habilidades.
Durante minha jornada em Lost Soul Aside, o jogo brilhava quando eu desligava o cérebro, parava de ouvir a dublagem, por vezes problemática, e só saía batendo em todo mundo até chegar em outro chefe com visual diferentão. Porém, até mesmo esse ciclo enfrenta alguns problemas.
A jogabilidade de Lost Soul Aside também inclui algumas parte com puzzles de área, que acabam quebrando o ritmo do gameplay. Em algumas partes, o jogo também é desbalanceado com certos chefes, incluindo alguns com morte instantânea, tornado a experiência simplesmente chata.
No entanto, para quem acompanhou o jogo por anos, o que pode bater mesmo é que tudo parece um pouco “sem alma”. Os gráficos estão ok, a história existe e o gameplay diverte. Mas tudo parece um sonho que ficou pra trás e foi consumido por um projeto comercial.
Eventualmente, Lost Soul Aside pode receber atualizações corrigindo seus principais problemas e melhorando o balanceamento, tornando o resultado final mais interessante. Em uma promoção generosa ou incluso na PS Plus, o jogo pode valer o tempo de fãs de hack and slash, mas, hoje, o título é apenas uma sombra do que poderia ter sido, e o reflexo de uma indústria consumida por expectativas e altos padrões.
A outra dimensão de Silksong
Curiosamente, todo o debate sobre Lost Soul Aside rolou colado a outro lançamento lendário: Hollow Knight Silksong. Já disponível, o título bateu nada menos que 500 mil jogadores simultâneos em poucas horas.
E a parte irônica é que o jogo do estúdio Team Cherry segue totalmente o caminho oposto do projeto original de Yang Bing. A produtora lançou um indie bem sucedido, anunciou uma sequência e, com uma equipe de quatro cabeças, ficou quase uma década lidando no projeto.
Em meio a rumores de crise e inferno de desenvolvimento, tudo que aconteceu foi trabalho: a galera apenas seguiu adicionando novidades no jogo, sem ter a pressão de uma grande companhia pedindo por uma data de lançamento.
A ausência de uma grande empresa também permitiu que a Team Cherry fizesse algo inimaginável: cobrar R$ 60 em um jogo aguardado — ou R$ 114,90 no PlayStation, já que a loja costuma cobrar mais caro. E como um valor tão baixo é possível? Como eles não precisam prestar contas para capitalistas que buscam lucros infinitos, oferecer o seu trabalho por um valor acessível já é suficiente para sobreviver — e até mesmo derrubar a Steam.
Ainda estamos arranhando a superfície de Silksong, mas o jogo deixa claro, logo nos primeiros minutos, seu propósito e carinho dos desenvolvedores. É o sentimento que muitos jogadores certamente sonhavam em ter com Lost Soul Aside quando viram o primeiro trailer do game.
No entanto, se Lost Soul Aside tivesse seguido o mesmo caminho optado pela Team Cherry, é improvável que o projeto fosse um grande sucesso. Na verdade, talvez ele nem tivesse saído. Porém, ambos os casos mostram como um projeto, seja de grande porte ou não, ainda precisa lidar bem com o “triângulo de ferro” do gerenciamento: custo, tempo e escopo estão diretamente ligados com a qualidade da entrega final. E seja você um grande desenvolvedor ou não, é essencial saber equilibrar os fatores para não cair no mar das expectativas quebradas.