Death Stranding 2 fez eu me sentir desconexo do mundo pós-pandêmico
Ao encerrar o último capítulo da jornada do Sam, sinto que preciso me conectar às coisas que realmente importam
Em um cenário desolado, a salvação — o recomeço — está na conexão remota entre as pessoas. Essa é a premissa de Death Stranding, uma ficção em um mundo pós-apocalíptico.
Em 2020, uma catástrofe aconteceu na vida real.
A pandemia deixou milhões de mortos no mundo inteiro. No Brasil, foram mais de 600 mil pessoas.
Vivi meses isolado em casa. A interação humana que cresci acostumado foi toda migrada para a internet. Um excesso de conexão — trabalho, amizades, compras, mercado — tudo era digital.
Eu me senti mais conectado do que nunca — e, paradoxalmente, mais desconexo com a realidade.
Em 2025, Death Stranding 2: Na Praia chegou com uma pergunta:
Será que deveríamos ter nos conectado?
Cinco anos depois, os efeitos da pandemia ainda persistem por aqui. Enquanto meu corpo tenta se ajustar à “vida normal”, a mente segue lutando para se reencontrar. Esse incômodo silencioso com a normalidade é o que me liga aos temas de Death Stranding.
Sou Felipe Buzzi, jornalista e jogador. Recentemente fiz uma viagem pelo universo esquisito de Death Stranding para tentar entender sua superfície e, quem sabe, descobrir o que toda essa maluquice significou pra mim.
Um conceito antes de ser um jogo
Death Stranding é uma franquia criada pela Kojima Productions, estúdio liderado por Hideo Kojima — o mesmo criador de Metal Gear. Kojima é um autor no sentido literal: cada jogo seu carrega um peso narrativo, técnico e estético.
O lançamento de Na Praia deixou isso evidente. As ambições que vislumbramos em 2019 foram ampliadas. O segundo jogo dá sentido aos conceitos que ele vinha tentando amarrar desde o primeiro.
Tudo em Death Stranding é abertamente conceitual: os trailers — feitos pelo próprio Kojima —, o design, a fanbase. Há um esforço em vendê-lo como algo “cult”, mesmo sendo um blockbuster jogado por milhões de pessoas.
Justamente por ser assim, é difícil descrevê-lo. É um jogo de ação? Terror? Um simulador de correios? Um jogo sobre conexões?
Na superfície, é tudo isso.
Estética antes de qualquer coisa
Quando pensamos em fim do mundo, logo imaginamos zumbis, meteoros, guerras nucleares. Kojima vai para um caminho alternativo.
Em Death Stranding, quando alguém morre, seu corpo físico — o Ha — e sua alma — o Ka — se separam. O Ka vai para a Praia, um lugar entre a vida e a morte. O problema é quando essa natureza é interrompida. Ao tocar o mundo dos vivos, ocorre uma explosão antimatéria: Voidout.
A partir dessa catástrofe, o mundo se reorganiza. Os humanos precisam reaprender a viver num planeta em que a morte é uma ameaça física — e espiritual —, e a comunicação é o último elo possível.
A beleza de Death Stranding mora nesse caos. A estética vem antes da lógica. Kojima brinca com o absurdo e o nonsense. Se entrega ao ridículo.
O resultado é uma experiência lúdica.
Essas escolhas são propositais. O próprio símbolo do estúdio é o Ludens, uma referência ao conceito do homo ludens de Johan Huizinga — o ser humano que brinca, cria e imagina mesmo diante do fim.
Kojima parece dizer: mesmo que a Terra acabe, ainda inventaremos jogos para continuar existindo.
A corda e o bastão
O fio condutor de Death Stranding está na citação que abre o primeiro jogo, retirada de um conto de Kobo Abe chamado A Corda:
“O Bastão serve para afastar o mal;
A Corda serve para atrair o bem.
Estes são os primeiros amigos que a raça humana inventou.”
Kojima quis criar um jogo sobre a corda, não sobre o bastão.
Em vez de ganhar pontos por destruir inimigos, ganhamos por conectar pessoas.
No papel de Sam Porter Bridges, o jogador precisa ligar o mundo, uma entrega por vez. Traçar rotas, equilibrar cargas, construir pontes, deixar escadas para outros jogadores usarem.
Tudo que você faz — até uma pequena ajuda deixada no caminho — pode ser curtido por alguém do outro lado do planeta.
A jogabilidade é simples, mas simbólica.
Enquanto a história fala sobre isolamento e reconstrução, o ato de jogar é o próprio elo entre as pessoas.
Entre o real e o digital
Kojima começou a escrever Death Stranding 2 antes da pandemia. O trauma coletivo que sucedeu — quando o mundo foi forçado a parar — o fez reescrever todo o enredo do jogo.
A experiência daquele momento o levou a uma reflexão:
O que ganhamos e o que perdemos ao nos conectarmos tanto?
Durante o isolamento, a internet foi a corda que nos salvou — mas que também, pelo excesso, sufocou.
Conectados o tempo todo, nos tornamos exaustos, cínicos, desatentos.
Em Na Praia, esse dilema conduz a narrativa. O jogo questiona o valor da conexão excessiva quando ela se torna um problema.
No meio de tantos absurdos, percebemos que a enxurrada nonsense de DS2 faz sentido. Depois de conectar todos os pontos e pessoas, entendemos partes do que essa jornada possa ter significado.
Death Stranding 2 fala sobre recomeços.
Sobre manter vínculos, mesmo que frágeis. Sobre cuidar do que importa, mesmo quando tudo é cínico e violento.
No fim, Death Stranding me lembrou que a salvação — o recomeço — não está nas redes, nem na tecnologia.
Está nas pessoas.
Nas conexões que a gente insiste em manter.
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